Tudo começou em um feriado católico: dia 1º de novembro, o mundialmente conhecido “Dia de Todos os Santos”, “All Saints Day”, em inglês. O ano era 1966 e ainda faltavam quatro anos para a fusão das duas ligas que comandavam o futebol americano na época, a American Football League (AFL) e a National Football League (NFL).
Muitos anos antes disso, em 1896, uma música foi composta para ser e celebrar o All Saints Day, já citado feriado de todos os santos, e cinco anos mais tarde, a cidade de New Orleans viu um de seus heróis do jazz nascer: Louis Armstrong. A história da tal música se amarra com a de Louis em 1930, quando o cantor transformou o até então hino gospel “When the Saints Go Marching In” em uma lenda.
E já que a proposta do blog é falar sobre música e esporte, vamos juntar as duas coisas nesse post, então, justamente como a história fez.
Voltemos a 1966, quando tudo isso se cruzou. New Orleans era (ainda é) a cidade do jazz, casa de Louis Armstrong e buscava o seu lugar na liga profissional de futebol americano, que vinha se popularizando mais e mais com o passar dos anos e com a possibilidade de uma união entre as duas ligas que comandavam o esporte. O nome do time da cidade seria, portanto, uma questão de lógica.
Armstrong gravou When the Saints go Marching In e o anúncio da formação da equipe de futebol americano de New Orleans havia sido adiado em uma semana, para que fosse feito no All Saints Day. Aquele Dia de Todos os Santos ficou conhecido por algo a mais: em 1º de novembro de 1966, nascia o New Orleans Saints.
A cidade do Jazz, enfim, tinha o seu time no esporte mais popular dos Estados Unidos, mas os Saints eram apenas um time mediano. A equipe mal chegava nos 50% de aproveitamento durante as temporadas da já unificada NFL até 1987, ano da primeira chegada dos Saints aos playoffs.
O New Orleans Saints era apenas mais um time na liga, alternando performances boas e ruins, com ênfase nas ruins. Até que, em 2005, a história da equipe mudou. A pré-temporada dos Saints começou com uma vitória sobre os Patriots fora de casa e duas derrotas em casa, no Superdome, para os Seahawks e para os Ravens.
A derrota para a equipe de Baltimore foi a última partida disputada no Superdome em 2005, já que dois dias após o jogo, o furacão Katrina passou por New Orleans, deixando milhares de desabrigados, mais de mil mortos, quase todos sem energia elétrica e condições de saneamento básico. A princípio, o estádio dos Saints foi usado como abrigo para 15 mil pessoas, número que subiu para 20 mil em um dia.
Em 31/8, as condições pioraram. Os arredores do Superdome estavam completamente inundados e, mesmo com a ordem de evacuação dada pelo governo, o número de pessoas no estádio aumentou para 25 mil. Após o caos e uma mega-operação que durou até o dia 4/9, todos os abrigados no Superdome foram evacuados e o estádio, interditado.
Os Saints mandaram seus jogos de maneira itinerante, em diferentes estádios, como o Alamodome em San Antonio e o Giants Stadium, de Nova York. Claramente afetado pelo Katrina, o time de New Orleans não foi bem e obteve 3 vitórias e 13 derrotas em 2005.
Um ano depois, com a cidade sendo lentamente reconstruída, a pré-temporada foi realizada toda fora de New Orleans, mas para o delírio da população local, todos os jogos em casa da temporada 2006 seriam no Superdome.
O resultado foi simplesmente incrível. Todas as partidas tiveram lotação máxima, sendo que a primeira, contra o Atlanta Falcons, bateu todos os recordes de audiência da ESPN no mundo até a época. Além das 70.003 pessoas presentes ao Superdome, mais de 10 milhões de espectadores assistiram ao jogo pela TV, que contou com apresentações de Green Day e U2. Além disso, os Saints chegaram à final da NFC pela primeira vez na história, perdendo para o Chicago Bears, há um jogo do Super Bowl.
A boa campanha alavancou a venda de ingressos para as temporadas 2007 e 2008 e o Superdome esteve praticamente lotado em todos os jogos, por dois anos. O fato mais curioso é que a cidade de New Orleans estava com aproximadamente 300 mil habitantes a menos do que antes do Katrina, mas o público no estádio só crescia. Se nas arquibancadas o resultado era ótimo, e nas ruas todos estavam torcendo pelos Saints, sempre ao som de When the Saints Go Marching In, tocado pelas inúmeras bandinhas de jazz de rua da cidade, em campo, o time não foi bem. No entanto, na temporada de 2008, uma “nova” esperança apareceu: o quarterback Drew Brees.
Mesmo com a campanha de 8 vitórias e 8 derrotas, Brees ficou apenas a 16 jardas de bater o recorde de Dan Marino de 5084 jardas conquistadas com passes em uma só temporada. O quarterback já estava em New Orleans desde 2006, mas despontou mesmo a partir de 2008. Em 2009, veio a consagração máxima, para Brees, para os Saints e para New Orleans.
O começo da temporada foi inacreditável: 13 vitórias e nenhuma derrota. Depois, três derrotas nos últimos jogos da temporada regular, mas a classificação para os playoffs veio, juntamente com a melhor campanha da NFC. Da mesma maneira que em 2006, os olhos do mundo estavam sobre os Saints.
Desta vez, a equipe foi além de onde tinha parado e derrotou Arizona Cardinals (45-14) e Minessota Vikings (31-28, na prorrogação) para chegar ao título da NFC e ao tão sonhado Super Bowl XLIV, que seria disputado contra os multicampeões, Indianapolis Colts.
O Sun Life Stadium, em Miami, foi o palco da partida, responsável pela maior audiência da história da televisão mundial. Conforme já dito, os olhos do mundo estavam sobre os Saints, o time ressurgido das cinzas, que uniu novamente uma cidade devastada por um furacão e provou que o esporte é uma excelente “terapia”.
No primeiro quarto, um massacre dos Colts: 10-0. No segundo, dois field goals para os Saints: 10-6. Após o intervalo, no terceiro quarto, um genial onside kick (veja aqui) fez com que Peyton Manning não tivesse a bola em suas mãos. Com isso, Drew Brees lançou para Pierre Thomas marcar o primeiro touchdown dos Saints. Na sequência, os Colts anotaram mais sete pontos, com uma corrida de quatro jardas de Joseph Addai, e os Saints devolveram com outro field goal de Garrett Hartley: o placar marcava 17-16 para o time de Indianapolis.
No último quarto, Drew Brees comandou a continuação da reação dos Saints, se puder ser chamada assim, com um passe para touchdown de Jeremy Shockey e um passe para uma conversão de dois pontos de Lance Moore, que fez com que os Colts precisassem de um touchdown mais a conversão de um ponto para empatarem o jogo, ou de dois, para vencerem.
No entanto, Peyton Manning foi interceptado por Tracy Porter, que retornou 74 jardas para mais um touchdown, histórico (o vídeo diz mais do que as palavras). Placar definido no Sun Life Stadium: 31-17. Os Saints chegaram ao topo da NFL em 2009, sob os olhos do mundo inteiro. Brees foi escolhido o MVP (jogador mais importante) do jogo e, para muitos, a equipe representou o ressurgimento de New Orleans após o Katrina.
Para comemorar, muito simples. Adivinhem só?
Novamente, When the Saints Go Marching In (veja um exemplo aqui). Apesar de tudo o que aconteceu, tanto na história do esporte, quanto na música e, principalmente, durante a reconstrução pós-Katrina, New Orleans e os Saints nunca deixaram suas raízes de lado. O mundo inteiro viu quando a cidade foi devastada e quando ressurgiu, no Super Bowl XLIV.
E tudo começou na cabeça de um maluco que deu, ao time de futebol, o nome de uma simples música...
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